As autoridades judiciais espanholas, mau grado o vendaval de pressões protagonizadas pelo governo do MPLA (João Lourenço), decidiram pedir mais provas forenses sobre a morte de José Eduardo dos Santos, falecido em 8 de Julho, embora os primeiros resultados da autópsia apontem para causas naturais.
Segundo informou o Tribunal Superior de Justiça da Catalunha, o Tribunal de Instrução de Barcelona decidiu que o Instituto de Medicina Legal vai manter a custódia do corpo, o que irá atrasar a sua entrega à família e o funeral do ex-presidente angolano.
A justiça espanhola decidiu que, na sequência da denúncia apresentada por Tchizé dos Santos, filha do ex-presidente angolano, sobre suspeitas de que pode ter havido uma conspiração para pôr termo à sua vida, o corpo não poderá ser entregue à família até que sejam feitos exames forenses adicionais. Além isso é necessário identificar “o(s) membro(s) da família” a quem o corpo deve ser entregue.
Recorde-se que no passado dia 12, o Folha 8 escreveu: “O resultado preliminar da autópsia feita, em Espanha, ao antigo Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, aponta para uma morte por causas naturais, mas defende a necessidade de mais exames”.
As sociedades de advogados que aconselham Tchizé dos Santos, denunciam a “pressão” que Angola está a exercer para que o corpo do ex-Presidente seja entregue ao MPLA e realizar um funeral de Estado, o que vai contra os desejos de José Eduardo dos Santos como tem referido a sua filha.
Segundo um documento emitidos pelos advogados, citado pela EFE, o actual governo de Angola declarou “guerra” ao círculo de Dos Santos e à sua família que, desde então, tem sofrido “uma forte pressão política”, que levou a que o ex-presidente tenha decidido exilar-se voluntariamente em Espanha.
Tchizé dos Santos tem afirmado ser desejo do seu pai ter um funeral privado e ser enterrado em Espanha, recusando um funeral de Estado em Angola “que possa favorecer o actual governo”.
Os resultados preliminares da autópsia apontam para uma “morte natural” devido a problemas “de insuficiência cardíaca” e “infecção pulmonar”, segundo uma fonte próxima do processo citada pela AFP.
José Eduardo dos Santos morreu em 8 de Julho, aos 79 anos, numa clínica em Barcelona, Espanha, após semanas de internamento e o Governo angolano decretou sete dias de luto nacional e até inventou um velório sem… corpo, levando muitos angolanos a velarem uma… fotografia.
Nesta macabra novela, de um lado está Tchizé dos Santos e os irmãos mais velhos, que rejeitam celebrar as exéquias em Angola, onde não vão há vários anos, desde que o sucessor do pai (e por este imposto ao MPLA e ao país), João Lourenço, assumiu o cargo em 2017, iniciando uma luta selectiva contra a corrupção e que atingiu sobretudo a filha mais velha, Isabel dos Santos, e o filho “Zenu”.
Do outro, está a “viúva” e mãe de três dos filhos de José Eduardo dos Santos, Ana Paula dos Santos, que estava separada do marido há alguns anos, ressurgindo a seu lado nos últimos meses, e que foi a interlocutora do Governo angolano quando este se encontrava internado na clínica de Barcelona, onde acabou por falecer.
O Governo angolano declarou que pretende fazer um funeral de Estado em Luanda, mas a decisão conta com a veemente oposição da filha Tchizé dos Santos, afirmando que essa não era a vontade do pai, e que José Eduardo dos Santos não queria ser sepultado em Angola enquanto João Lourenço estiver no poder.
Eduardo dos Santos sucedeu a Agostinho Neto como Presidente de Angola, em 1979, e deixou o cargo em 2017, cumprindo uma das mais longas presidências no mundo, pontuada por acusações de corrupção e nepotismo e em que contou o apoio incondicional do seu ministro da Defesa, João Lourenço.
No dia 22 de Novembro de 2018, em Lisboa, João Lourenço admitiu que já sentia “as picadelas” dos afectados pelo combate à corrupção, mas garantiu que “isso não nos vai matar” e vincou que “somos milhões e contra milhões ninguém combate”.
“Quando nos propusemos a combater a corrupção em Angola, tínhamos noção de que precisávamos de ter muita coragem, sabíamos que estávamos a mexer no ninho do marimbondo, que é a designação, numa das nossas línguas nacionais, do terminal da vespa”, disse João Lourenço, respondendo a uma pergunta, no Palácio de Belém, em Lisboa, sobre se a questão do repatriamento de capitais – ilicitamente transferidos para o exterior – não se assemelha a `brincar com o fogo`.
“Tínhamos noção de que estávamos a mexer no marimbondo e que podíamos ser picados, já começámos a sentir as picadelas, mas isso não nos vai matar, não é por isso que vamos recuar, é preciso destruir o ninho do marimbondo”, vincou o governante, depois de se ter escusado a comentar as críticas do antigo Presidente e seu mentor político e partidário, José Eduardo dos Santos, e da empresária Isabel dos Santos. Os marimbondos continuam. Só mudaram de lado. Entretanto, João Lourenço conseguiu “matar” o marimbondo-chefe e, agora, até promete “imunidade” temporária às rebeldes e, quiçá, arruaceiras, filhas do marimbondo-chefe.
É certo que enquanto vice-presidente do MPLA e, entre muitos outros cargos de relevo, ministro da Defesa, João Lourenço comandava o exército de marimbondos e não deixava que ninguém se aproximasse do chefe. Mas, como tudo na vida, mudam-se os tempos, mudam-se os interesses. Daí a “matar” o seu criador foi um passo. Passo corajoso? Nem por isso. Até porque apunhalar pelas costas – como foi o caso – é a mais completa prova de cobardia, se bem que seja parte importante do ADN do MPLA.
Na resposta à questão sobre a tentativa de repatriar os capitais ilegalmente retirados de Angola, João Lourenço afirmou: “Quantos marimbondos existem nesse ninho, não são muitos, devo dizer; Angola tem 28 milhões de pessoas, mas não há 28 milhões de corruptos, o número é bastante reduzido e há uma expressão na política angolana que diz que `somos milhões e contra milhões ninguém combate`”.
Tentando mostrar que tinha o povo ao seu lado na luta contra a corrupção, João Lourenço terminou a resposta dizendo: “Ninguém pense que, por muitos recursos que tenha, de todo o tipo, consegue enfrentar os milhões que somos, portanto não temos medo de brincar com o fogo, vamos continuar a brincar com ele, com a noção de que vamos mantê-lo sempre sob controlo”.
A expressão “brincar com o fogo” foi colocada pelo jornalista português que fez a pergunta sobre as consequências do repatriamento de capitais, mas foi largamente aproveitada por João Lourenço, que iniciou a resposta dizendo: “Se estamos a brincar com o fogo, temos noção das consequências desta brincadeira; o fogo queima, importante é mantê-lo sob controlo, não deixar que ele se alastre e acabe por se transformar num grande incêndio”.
Folha 8 com Lusa